Ensaios sobre a vulnerabilidade
No ano de 1999, o sociólogo Zygmunt Bauman escrevia “Modernidade Líquida”, cenário onde hábitos e costumes são movidos pela finalidade de obter sensação de completude do ser. A palavra “líquida” é atribuída pelo fato desta necessidade ser tão imediatista, que as ações que almejam nossa completude, acabam por não serem devidamente vividas e absorvidas – escorrendo por entre os dedos. Como consequência, vemos uma sociedade muito veloz e exigente com seu conglomerado de demandas cotidianas. Uma boa definição pode ser encontrada em Kierkegaard: “A maioria dos homens persegue o prazer com tanta impetuosidade, que passa por ele se vê-lo”. Kierkegaard nos instiga a refletir, até os dias de hoje, a nossa relação com a satisfação em objetivos, que muitas vezes nos afastam do momento presente – ponto fundamental nas reflexões de Bauman.
Se reflexões como estas eram propostas em 1999, nos dias de hoje, com a sociedade tão rápida e com o poder e a influência tão significativa dos smartphones – em aplicativos de alimentação, aplicativos de transporte e infinitos livros e artigos científicos em PDF, tudo em uma tela que cabe em uma mão, eu ousaria uma nova nomenclatura para esta etapa das relações sociais, chamando de “Modernidade Gasosa” – se antes escorria por entre os dedos, nesta nova fase, não existe o contato, está na fugacidade do ar!
Adentramos o lado negativo pelo fato deste ideal de completude ser irreal – ao invés de cultuar o autoconhecimento, ele anda no sentido contrário, culminando no distanciamento de si mesmo. Como resultado, temos pessoas frágeis e dependentes de curtas experiências e prazeres momentâneos. Neste cenário, situações de fragilidade acabam não sendo consolidadas e absorvidas, pois são interrompidas por vias imediatistas, que por sua finalidade “mascarada”, também não são consolidadas – no mesmo modus operandi.
As curtas experiências podem servir como uma viseira que negligencia questões que estremecem nosso aparelho psíquico, limitando o aprendizado. Como dizia o filósofo africano Chinua Achebe: “Como regra, eu não gosto de sofrer sem propósito. O sofrimento deve ser criativo, deve dar luz a algo bom e amável”.

Em era de modernidade líquida, a fuga prevalece o autoconhecimento e assim menos luzes acendem, restringindo processos criativos, autorreflexão e o fortalecimento de nós mesmos. Este distanciamento resulta na carência de recursos criativos para lidarmos com nossos problemas e assim, tendemos a fugir da sensação de vulnerabilidade. Preferimos respostas imediatas ao invés de apostar nos nossos referenciais e experiências empíricas.
Desta forma, o desafio se move a um segundo plano, configurando uma nova vulnerabilidade, por não termos desenvolvido recursos de autorreflexão e de autoconhecimento para aprendermos com a primeira vulnerabilidade, que acabou sendo mascarada.
Tratar da vulnerabilidade de segundo plano requer um nível de amadurecimento para olhar para si e ao contexto em que está inserido, de uma forma desapegada. Assim, nadar no sentido contrário da maré, optando por valorizar o presente neste cenário rápido e conturbado.

Prática 1 – Para refletir o presente como um presente
“Ontem é história,
amanhã é um mistério,
mas o presente é uma dádiva,
por isso se chama presente.”
Mestre Oogway – Kung Fu Panda
Prática 2 – Cultuando o Instinto Dionisíaco de Friedrich Nietzsche
– Viver em uma constante celebração – Dionísio, Deus do vinho e da celebração.
Não condicionar a sua celebração apenas nas grandes metas de sua vida, celebre as pequenas coisas, como ouvir uma música, ter a louça lavada ou o quarto limpo.
Celebrar as pequenas coisas é uma forma de você cultuar o presente, manter a sua mente no presente
Completude do vazio – banalização – perfeição
Outro desafio destes tempos refere-se ao que chamaria de “efeito manada” – quando a busca pela completude do vazio conduz ao mesmo padrão comportamental e mesmos costumes e consumos, resultando em banalização. Como consequência direta disto, vemos a necessidade de nos diferenciarmos do que consumimos em relação aos demais, optando, desta forma, pelo que há de melhor – os meios mais potentes e mais rápidos no preenchimento do vazio e, ao mesmo tempo, na criação de um status de diferenciação e, indiretamente, na criação de um ideal de perfeição.
Esse ideal de perfeição, nos instiga ao nosso limite nas mais diversas áreas das nossas vidas – lazer, consumo, relações, hábitos. Criamos a ilusão de que circulamos na nossa versão perfeita, tanto de mundo, quanto de nós mesmos, nos apoiando em conceitos e julgamentos.
Prática 3 – O Desapego
O diálogo de Huo Yuanjia e Anno Tanaka
” – Este chá é muito bom, sabe alguma coisa sobre chás?
– Gosto de chá, mas não procuro saber porque não gosto muito de diferenças. Chá é chá!
– São diferentes, com características e notas diferentes.
– E pra que servem estas notas? As ervas dos chás crescem na natureza e não tem muitas diferenças.
– Se aprender sobre chás, você poderá julgar estas diferenças…
– Talvez esteja certo. Mas pelo que sei, o chá não julga a si mesmo. São as pessoas que julgam os chás, como julgam tudo o que existe. Fazem isso o tempo todo. Mas eu não quero fazer isso.
– Não? Mas por quê?
– Quando se está de bom humor, se sentindo feliz, a nota do chá não importa.”
Diálogo do filme – “O Mestre das Armas” (2006)

Arigato!
*Artigo publicado pela Revista Coaching Brasil, ed-86.
Referências
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2001.
Nietzsche, Friedrich. O Nascimento da Tragédia, Companhia de Bolso, 2007,
Humano, Demasiado Humano. Lafonte, 2018.
Autor: Henrique Streit
Acadêmico de Psicologia/PUCRS, músico e amante da arte.<
ikkistreit@hotmail.com